Pimba na gorduchinha*
.jpg)
A
bola Drible branquinha, novidade da época, rola pelo gramado ruim e enche
nossas vidas, humildes e bem vividas misturadas, democraticamente divididas em
com ou sem camisas. Garotos com ou sem futuro misturados para conquistar a
verdadeira liberdade, uma vitória em uma pelada no campo do Ginásio.
O
primeiro chute errado e a bola, branquinha, cai por cima do muro da moradia.
Faz-se um silêncio total. O medo de não ter o retorno da Drible provoca
arrepios na garotada, principalmente em Hamiltão, autor do chute com endereço
errado. Mas, de repente, não mais que de repente, como se fosse rebatida em um
bate-pronto alinhado, a pelota voltou quicando e parando no barro.
Mais
alguns minutos e Miguel, nosso grande artilheiro, manda outro balaço contra as
traves de Lucho. Não acostumado com a maciez e com a leveza da Drible, mesmo
que encharcada pelo barro molhado, Miguel arremessa novamente a “gorduchinha”
por cima do muro. Desta vez a bola nos foi devolvida por um ancião, que como se
cobrasse um arremesso lateral, usou as duas mãos para fazer a devolução de
nossa preciosa companhia.
O
relógio já marcava quase seis da tarde quando outros dois times adentravam o
castigado gramado do Ginásio. O sol já escondera e a luz natural já estava
fraquinha quando um terceiro petardo ultrapassou os limites da moradia. César
errara o cruzamento e desta vez a Drible caíra na varanda.
Não houve devolução.
Todos se espantaram e já preparavam as contas para um novo racha no bolso dos
peladeiros para a compra de uma nova Drible. A bola não voltara. Ficara por lá.
Mas cinco ou dez minutos após desce um cidadão forte, até que meio gordo,
vestindo apenas uma bermuda moderna, peito nu e cabelo ajeitado com gumex. Era
o dono da residência.
A
garotada, até certo ponto amedrontada com a cena, ameaçou um apelo para que a
bola fosse devolvida. O cidadão foi andando até o meio do barro, com um estilo
até bonachão, e quando todo mundo ameaçava um agradecimento coletivo ouviu-se
um tiro.
Um tiro apenas. O suficiente para que todos corressem sem tempo de ver
a “gorduchinha" dormindo eternamente no meio do campo do Ginásio, murcha e
completamente inutilizada, já que os outros cinco tiros disparados não foram
ouvidos pela turma, que descia a estradinha que dá acesso a Rua do Ferreira em
desabalada carreira.
Com medo da morte a garotada deixou a branquinha sozinha
na noite daquela segunda-feira.
*Texto baseado em uma crônica do mestre Armando Nogueira
Comentários