AO SOM DE CARTOLA, ELIS E OUTROS
Revendo textos - Esta é de outubro de 2005
Quatro horas da tarde. Lá fora o sol forte, aqui dentro o ar refrigerado ligado no limite e na vitrola o disco de João Gilberto, em volume médio, toca para motivar este velho escriba a falar sobre música e artistas. Ligo para meu amigo Motta, que está na internet –sua nova companheira- e me recuso, no momento, a entrar na grande rede. O telefone toca. Penso em não atender. Marina chama: É prá você. É o Solon. Bingo. Era o que precisava para traduzir certas canções de Cartola. Pensava até em ligar para o Nascimento, lá em Miracema, mas Solon chegou na hora.
Fala aí, amigo velho. – Amigo velho, não. Velho amigo. Fica mais poético e mais saudável. – O que manda? – Acho que preciso de alguém para conversar, estou só e os dedos estão cansados demais para dedilhar nas teclas do computador. – Eu até gostei de sua ligação. Tava pensando em fazer umas colocações sobre a música de Cartola e só mesmo quem viveu estes momentos pode dividir comigo a leitura da obra do grande mestre da MPB. – Diga o que quer.
Pensei muito, na vitrola – que vitrola nada, no CD já tocava Os Cariocas, com o Samba do Avião, e tive que aumentar o som. – O que é que é isto, Dutra? Bradou Solon.
– É música das boas, meu caro amigo. – Tá bom, mas abaixa que está atrapalhando. Vamos ao que interessa. – Certo, meu amigo, mas explicar Cartola é duro, não achas? Por exemplo. O que ele queria dizer quando escreveu que o Mundo é Um Moinho? – Fácil. Tentou explicar para sua filha, que acreditara estar na hora de sair de casa, que o mundo não era bem o que julgava ser. “Presta atenção, querida. De cada amor herdarás só o cinismo, quando notares que está à beira de um abismo, abismo que cavastes com teus pés”.
Entendeu o recado? Acho que sim. – Então veja só, por que as rosas não falam se ele sempre se queixa a elas? Sabe não? Simplesmente porque elas exalam o perfume que roubam das suas musas inspiradoras, as cabrochas e as belas mulatas da Mangueira. – Neste caso Dona Zica é que deveria estar com seus olhos tristonhos e quem sabe, chorava em seus sonhos.
É, meu caro Solon. Está inspirado. Sabia que poderia confiar em ti para dissipar velhas dúvidas. Agora, no meu som, o bom Emílio Santiago está mandando ver com “Insensatez”. E eu aqui, escrevendo e ouvindo você no outro ouvido.
É dura a vida de aposentado, um dia nada para fazer, no outro não ter nada o que fazer e quando chega sexta-feira, dia de boteco para alguns mortais, estamos aqui ouvindo música, escrevendo crônicas e procurando alguém no celular para uma prosa.
Solon, pensei em escrever algo para o Festival de Miracema. Você sabe que teremos novamente o Fecami? Sabe, né? Pensei assim: Sonhava desde menino, tinha um desejo feliz de contar toda minha história. Este sonho realizei, um dia lhe contarei. Contarei todas as glórias, perdoa-me a comparação, Bem, deixa prá lá. O Cartola já tinha escrito isto e seria plágio dos bravos.
Por que você não fala de amor. Daqueles amores do passado, meu caro Dutra. – Solon, você acha que eu teria tino para isto? Esquece nosso amor, vê se esquece. Porque tudo no mundo acontece. – Ficou legal? – Esta também é do Cartola, plagiador barato. – Então tá. Vou ouvindo Miltinho, com o outro ouvido e os conselhos que me passa por este outro. Manda lá. O que é que vou escrever?
É melhor a gente parar por aí, Solon. Estou ouvindo Billy Blanco cantando “Samba Triste” e ele, em dos versos diz: Sei que o amor existe e por isto o samba é triste. – Tá certo, meu amigo. Vou-me embora e deixo contigo um trecho que cantei por algum tempo, desde que fiquei sozinho no mundo. “Não quero mais amar a ninguém. Não fui feliz o destino não quis. O meu primeiro amor morreu como a flor, ainda em botão. Deixando espinhos que dilaceram o coração”.
É, Cartola realmente é o máximo dos máximos. Deixa eu aqui, agora ouvindo Elis & Jair, um “recuerdo” dos anos 60, aqueles anos dourados, prateados, de chumbo ou de qualquer outro adjetivo, mas os melhores anos de nossas vidas. Um abraço, amigo velho, velho amigo e fiel companheiro de todos os momentos.
Um forte abraço, meu velho amigo. “Guerreei na juventude, fiz por você o que pude, continuam, nossas lutas e hoje podam-se os galhos e colhem-se as frutas”. Um verso do mestre para que a gente se vá em paz em busca da cerveja nossa de cada dia.
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