Um trem para Minas
O “seu” Albino, um pacato cidadão mineiro, 94 anos de idade, 60 de
serviço público, lúcido como um adolescente de 15 anos, é um dos mais animados
na viagem entre Vitória/ES e Governador Valadares/MG. O bom velhinho, apelido
conquistado pelo “Seu” Albino na viagem, traçava de tudo que lhe era oferecida
pela “ferromoça”, no bom sentido é claro, e não se cansava de emitir opinião
sobre o que está acontecendo no país.
Sobre o referendo,
que tivemos neste final de semana, “Seu” Albino foi claro: “Não há como votar
no sim. Moro, sozinho, em um sítio às margens do Rio Doce, e preciso de minha
velha carabina para me defender dos larápios”. O homem contou que devido a sua
grande experiência com armas, serviu ao Exército Brasileiro durante 35 anos e
foi um dos heróis brasileiros em solos italianos durante a Segunda Guerra
Mundial.
Uma opinião
esportiva do “Seu Albino” ficou atravessada até o retorno, no domingo, quando
senti a profundidade de seu comentário. “Ninguém muda de mulher por acaso, há
sempre um motivo, o principal é a traição. Ninguém troca de moradia sem razão,
a melhoria salarial é sempre a causadora da mudança.
Ninguém troca de
roupa sem ter uma melhor ou mais limpa a disposição. Portanto, tá na hora de
procurar um novo time para torcer, meu Flamengo, assim como o meu América
(mineiro) já não me fazem feliz”.
Eu e o José Luiz
ficamos pasmos. O Holden sequer discutiu e concordou, o único, imediatamente
com “Seu Albino”. Nós, eu e José Luiz, flamenguista e vascaíno tristes,
entendemos no retorno, como disse acima, a certeza do velho militar. A goleada
de 6x1, para o São Paulo, e mais uma derrota, 3x1, para o Internacional,
deixaram-nos certos de que já é hora de mudar e de procurar um novo rumo em
nossas vidas.
“Parar ou não de
torcer por nossos gloriosos times?” É a pergunta que fiz e o José Luiz não me
respondeu. Acredito que o amigo/irmão ainda tenha esperanças de que tudo irá
melhorar e que tudo isto não passa de uma fase ruim.
Melhor do que as
opiniões do “Seu” Albino são os prognósticos do Carlos Augusto sobre o futebol.
Ele, um gênio da
bola, está sempre alerta e sempre com uma resposta pronta para qualquer
indagação sobre o maravilhoso esporte bretão. “Conheço o Garrincha, já ouvi
falar de Pelé, de Maradona e de outros caras, mas esta conversa de vocês me
deixa atordoado, como podem perder tanto tempo com estas discussões baratas e
que não os levam a lugar nenhum?”. Pronto. Vocês já perceberam o quanto Carlos
Augusto gosta do futebol.
E, como estávamos
sendo recepcionados por ele, na grande metrópole mineira, voltamos o assunto
para a viagem fantástica de trem e pelo que vimos pelas margens do Rio Doce.
Passamos o resto da tarde, de sábado, a divagar sobre a possibilidade, remota,
de vermos retornar a grande malha ferroviária brasileira.
No domingo, após
uma madrugada mal dormida devido a festa das bodas de Ricardo e Fernanda,
tivemos a felicidade de encontrar o França, artilheiro da década de 40 e com
bela passagem por Miracema, onde estudou e jogou futebol no Miracema e no
Tupã.
França falou com
alegria sobre os craques miracemenses, citou Lauro Carvalho como o melhor de
todos, falou com saudade no time comandado pelo “Seu” Nézio, do artilheiro
Polaca, do goleiro Zé Souto, do zagueiro Ferrugem e de tantos outros
companheiros que provocaram lágrimas furtivas em seu jovial rosto, que apesar
dos 75 anos não foi batido pelo tempo.
No vagão
restaurante da Locomotiva 703, que nos trazia de volta, França contou causos,
emocionou-se ao falar do Tiro de Guerra, do Colégio Miracemense, do Estádio da
Rua da Laje, do Bar do Vicente, das meninas e dos bailes do Aeroclube e do
Grupo Escolar.
Se para este
escriba a viagem se transformou em fonte de saudade, para ele, França, a
reunião improvisada de miracemenses, tanto em Valadares quanto no trem, foi
motivo de reacender a chama da vida. “Vivi intensamente estes dois dias,
rejuvenesço o suficiente para contar, daqui a dez anos, mais um pouco de minha
bela passagem pelo futebol e por Miracema”, desabafou o velho craque, hoje
morando em Guarapari/ES.
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