SOLON VOLTA A MIRACEMA
Num final de tarde, ainda com muito sol devido ao horário de verão, sentávamos eu e o Solon, um velho amigo, à beira de um meio fio, em qualquer ponta da cidade, e proseamos como dois guris, como se tivéssemos acabado de sair de uma roda de bola de gude.
Sólon, mais experiente, me falava sobre os carnavais de Miracema, que por sinal lembro-me muito bem até dos pequenos detalhes. Meu amigo, muito mais vivido - foi parceiro do Polaca em andanças por estes morros afora atrás de um rabo de saia- sente na pele o que o fim de uma tradição.
- Aqui, conta com lágrimas nos olhos, apontando para a rua em frente à calçada onde estávamos, nos reunimos para o melhor baile da cidade. A matinê do Primavera -nos altos do Cinema Sete- tinha um glamour todo especial. A orquestra - naquele tempo havia orquestras- iniciava o pula-pula exatamente às três da tarde e por lá já estavam a fina flor da malandragem e o que havia de melhor na sociedade alternativa. Quem tinha mais posse frequentava o Aeroclube, onde neste horário rufava o baile infantil.
Solon, já com lágrimas nos olhos, me chama para um passeio pelas redondezas. - Vamos lá, Dutra. Vamos dar uma volta. Eu vou te mostrar todo um passado e explicar o porquê destas lágrimas, que correm pela minha face. Andando tropegamente, a emoção cortara um pouco a sua concentração, o Velho Solon foi narrando as suas peripécias e apontando para os locais onde outrora havia algo relacionado com o seu passado, como o Bar Rubro Negro, bem em frente ao Primavera. - Aqui esquentávamos as turbinas, muitas meninas da sociedade chegavam por ali para vestirem os seus palhaços e escondidas entravam no banheiro e saiam de lá a galope rumo ao salão sobre antigo Cine Sete.
Quantas saudades, meu caro Solon. Eu, que do Primavera tenho poucas e boas recordações, fico imaginando você, que viveu grandes momentos e grandes romances, como deve estar se sentindo neste momento. - Que nada, amigo. O coração já não sofre mais. Ando por aí cheio de saudades e em cada esquina sofro um pouco mais com a ausência do passado, aqui não fizeram preservação e o que temos é o que sobrou de um momento de glória. - Nada disto, Solon. Nossa terra está moderna, o passado não morreu, apenas se modificou. Veja só o quanto está preservada a nossa Rua Direita, a nossa Praça Dona Ermelinda está uma beleza. - Tudo bem, Dutra. Mas por que tiraram o Coreto da Praça Dona Ermelinda? Por que derrubaram o Cine XV, aquele da Rua das Flores? Por que deixaram o Cinema Sete virar supermercado?
É o progresso, Solon. Nada disto teria serventia nos dias de hoje. Respondo tentando colocar um pouco de alegria no seu rosto. - Vim aqui, depois de quarenta anos longe, com os meus filhos e com os meus netos, e durante a viagem só contei vitórias e narrei tim-tim por tim-tim como era a minha cidade. - E ai, gostaram? Perguntei. - Claro que sim, mas viram uma cidade completamente diferente daquela que eu contei e que eles sonhavam ver. Pensavam encontrar uma velha Miracema e o que viram foi uma nova cidade, sem preservação do passado e com seus velhos casarões necessitando de uma remodelação.
Solon, ainda pesaroso, reclamava que sequer pode colocar os pés nas águas do Ribeirão Santo Antônio, cujo leito praticamente secou e quando contei que havia um projeto, engavetado, de reativação da nascente, ficou entusiasmado e gostaria de saber com quem falar. - Meu filho é engenheiro florestal e deve conhecer alguém para ajudar no projeto. - Menos, Solon. Menos. Você não irá conseguir nunca dobrar os seus conterrâneos, que parecem ter preguiça de lutar por sua terra. Vamos nos sentar no Bar Pracinha -êpa-, ou melhor na Kiskina e tomar um chope prá distrair. E lá fomos nós, conversando sobre um passado que nos faz pensar: Como era gostosa a nossa Miracema.
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