Relembrando o folião Francisco

Na sexta-feira, logo após o treino do Operário, ele vestia sua fantasia surrada, calçava os sapatos velhos, e acertava os apetrechos da “mulinha” junto ao pequeno corpo. Estava pronto para cinco dias de folia e brincadeiras, que começava naquele momento, dezoito horas de uma sexta-feira, e só terminava por volta das dez da manhã da quarta-feira de cinzas.

Este é o Francisco, o Neném,  ponta direita habilidoso, goleador e apesar do tamanho, pelo apelido vocês devem perceber que era mignon, e por isto atuava pelas laterais do gramado. Neném era uma figura folclórica, jamais fez mal a alguém e só brincava sozinho, no verdadeiro bloco da solidão. 

Sua alegria era a fuga de uma vida difícil, barbeiro por profissão, dava conta do trabalho, eram dezenase clientes/amigos e nada  impedia de manusear com cuidado uma tesoura ou uma navalha,  e  fazer as duas coisas que mais gostava na vida, a bola e o carnaval, mas já alguns anos sua “mulinha” estilizada já não tinha a mesma alegria de outros carnavais, Nenenzinho estava sendo vencido pela bebida e pelas frustrações do dia a dia.

 Me lembro de seus dribles em velocidade, principalmente em cima do Brecó, do Athaíde e do Dida, me recordo dos seus cruzamentos certeiros, na cabeça do Careca, sempre resultando em gols. Aquele grito de “entra Careca, vamos fazer Neném” ainda ficam nos disquetes da minha memória. O tempo foi cruel para ele, antes mesmo dos trinta ele  estava desgastado para a bola, antes dos quarenta  para a profissão, mas foi forte, batalhou e buscou se recuperação, que infelizmente não veio. 

 

Por ser educado, amigos  de todos e um homem quieto e tranqüilo, jamais provocou a ira de quem quer que seja, jamais ficou se tomar um lugar à mesa de qualquer um de nós, sua presença era sempre bem-vinda e sua figura era adorada por amigos e colegas de toda a comunidade. Dá-lhe Nenenzinho, você será sempre lembrado por quem amou o carnaval e o futebol.

 

Numa terça-feira gorda, último dia de folia, preparava-se a famosa pelada das “piranhas”, organizada pela turma do Bloco do Fogaréu, na quadra do jardim, e logo depois sairíamos em desfile pelas principais ruas da cidade, onde o bloco mostrava a suas “bonecas” e as “melindrosas”, que brilharam na quadra e agora comemoraríamos a grande brincadeira com bebidas e comidas para todos.

 

Neném não apareceu para a tradicional pelada, chegou mais tarde, já demonstrando uma certa preocupação com seu estado de saúde. Trouxe um papo estranho, ele era inteligente, conversava bem e se expressava melhor ainda.  O a conversa foi daquelas curta e grossa.


 – Olha, gente. Estou no fim. Hoje pode ser o meu último carnaval, minha última pelada foi na semana passada. Cuidem de minha alma de uma forma melhor do que cuidei de meu corpo. Se eu morrer me ponha no carro alegórico e desfilem por toda a cidade. 


E isto foi feito, Nenenzinho não segurou as pontas e o final do nosso carnaval foi no seu velório, por toda a cidade, no ritmo de marchinhas e sambas, com o povo gritando e aplaudindo. “Vamos fazer Neném”, foi uma frase jamais ouvida na cidade. 


Ficou a saudade do Francisco e a saudade de um verdadeiro carnaval, ambos jamais voltaram a minha terra e fazem uma falta danada. Feliz Carnaval para todos aqueles que ainda apreciam uma “Mulinha” um “Bloco de Embalo”e um “Palhaço”, verdadeiros expoentes de qualquer carnaval que se preze.

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