UM DEDO DE PROSA COM O ARIZÃO

Na quarta-feira, logo após o final do jogo contra o Duque de Caxias, derrota com sabor de chocolate amargo, como disse o Leandro Dutra, fiquei um bom tempo observando a reação do torcedor do Goytacaz, que saia do Arizão triste, com o coração sangrando, como se acabasse de perder um ente querido. De repente uma voz, rouca e nervosa, me chama. - Dutra, você que um dia conversou com o estádio lá da sua terra, li isto em um jornal caído aqui nas minhas arquibancadas, não dá para tirar um tempo para levar um dedo de prosa comigo? – Fiquei louco ou minha sina agora é papear com cimento armado? Pensei.

Bem, já que os gigantes de cimento estão se comunicando eu me rendi.
– Diz aí, Arizão, o que pretende com este velho escriba?
- Você, Dutra, é feliz. Viu jogadores maravilhosos em seu estádio, eu também os vi por aqui, em número bem maior, porém, como você gosta de dizer, tem sempre um porém, tenho um compromisso mais sério do que o seu Municipal, também chamado Plínio Bastos de Barros. Aqui a torcida me pisoteia, me arrebenta e me tira pedaços em cada partida jogada.
-Isto é normal, meu caro. Isto é coisa de torcida apaixonada, que está sofrendo muito com o time.
- Para quem viu jogadores espetaculares: Zico, Ademir da Guia, Carlinhos Santana, Piscina, Chico Preto, Garrincha e tantos outros, fica difícil encarar estes moços de agora. Não é mesmo Dutra?

Eu já estava me achando completamente maluco. Seria o efeito do remédio da pressão, que mudei hoje pela manhã? Perguntava prá mim mesmo. Será que minha sina é conversar com estes gigantes de concretos? Tornei a perguntar baixinho, prá mim mesmo. Daqui uns dias vou ao Maracanã e, pimba, lá vem o Mário Filho querendo um dedo de prosa.

Tentei sair, mas a voz não deixou. – Volta aqui, amigo Dutra. Estou sendo abandonado por todos e só você pode me entender. A Defesa Civil quer me vetar, a Polícia Militar, parece, vai impedir a entrada de meus amigos na próxima partida, tomara que não, se isto acontecer vou ficar adormecido até o próximo ano, se ainda existir algum cimento em meu corpo.
- Nada disto, meu caro Arizão, você não será abandonado. Tem muita gente querendo te arrumar e alguns acham até que você seria uma excelente moeda de troca.
- Já ouvi isto, meu caro. Já ouvi esta conversa e por isto estou preocupado. Já imaginou estes meninos, que nunca viram o Goytacaz ser campeão, que jamais tiveram oportunidade de me ver lotado, servindo de palco para Flamengo, Fluminense, Santos, Palmeiras, Botafogo e Vasco, botarem na cabeça que eu posso virar um shoping center? Vai ser o fim muito mais triste daquele que imaginei prá mim.
- Você já se preparou para o final da vida?
- Claro. Eu sempre pensei que iria ganhar uma nova roupagem, com o time na Primeira Divisão lembrariam de mim, me dariam um colorido mais forte, um azul novinho em folha e um branco limpinho como a neve. Sonhei, todos sonhamos com o sucesso no futuro, mas neste sonho vejo um punhado de craques desfilando novamente em minha grama, com novas camisas e com chances de serem campeões.
- Tá difícil de realizar o sonho, não é mesmo meu amigo de concreto?
Difícil não, impossível. Vi, agora a pouco, um time ruim e sem alma perder para outro que tem um baixinho que nem chega aos pés do outro baixinho (ele falava do Romário), que fez a festa aqui na minha alma. Tá difícil, meu amigo Dutra. Deste jeito vou penar sem ao menos receber um cimento novo ou uma grama fresquinha, viu só como está ruim este velho gramado?
Quando tentei a última pergunta ouvi outras vozes, desta vez dos amigos Gustavo e David, que voltavam para me procurar. – Estávamos preocupados contigo, Dutra. Perguntou o Gustavo. – Tudo bem, estava aqui proseando com o velho Arizão e ouvindo suas histórias e seus sonhos para o futuro.

- FUTURO !!!!!!!! NÃO HÁ FUTURO SEM PRESENTE.

Foi a frase de despedida do gigante de concreto, que se calou e me deixou a sensação de que estou criando uma linguagem diferente, a de papear com estádios de futebol. Um abraço meu caro Arizão, diga ao Municipal de Miracema que estou com saudades.

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