O FUTEBOL COMO HERANÇA

Na última semana recebi uma série de e-mails, de amigos e conterrâneos, que falaram-me com carinho sobre a coluna da última quinzena. Foram palavras carinhosas e, por coincidência meu guru, Ermenegildo Solon, me contou um “causo” interessante, passado em épocas passadas, mas que poderiam ser retratadas nos tempos modernos.

Diz a lenda, conta o velho Solon, que um senhor rico, dono de engenhos e fazendas, tinha por hábito comprar terras vizinhas, principalmente as mais prósperas. Dom Camargo era apaixonado por futebol e criou, em sua fazenda, um belo time e trouxe jogadores de todos os cantos da região. Rico, Dom Camargo não fazia questão de gastar o que fosse preciso para realizar seu sonho de infância, que era ter um time só para ele. “O patrãozinho não joga bola, tem deficiência no andar e por isto trouxe quem sabe para jogar em seu time de futebol”, comentava um criado, craque dentro e fora do campo.

O tempo passou e todos os escravos foram libertados e aqueles mais chegados a Dom Camargo seguiram fieis ao senhor, principalmente os jogadores de futebol, cuja liberdade foi conquistada muito antes devido as suas habilidades com a bola de couro cru. O patrão, doente terminal, chamou seu filho Manoel, recém formado em Direito, e lhe deu uma missão: “Filho, este time não pode acabar nunca. Foi sustentado contra tudo e contra todos e jamais o entregue para os vizinhos, principalmente ao fazendeiro vizinho, que vive atormentando meus jogadores para trocarem de camisa”. O filho, humilde e servil, não titubeou em prometer ao moribundo pai todo o possível para manter vivo o seu sonho.

O tempo passou e os vizinhos ficaram tristes por não conseguir a herança de Dom Camargo, mas alguns coronéis juraram que não morreriam sem ver o time de verde e branco em suas posses. Todos tentaram, mas em vão, a luta dos jogadores e dos descendentes de Dom Camargo era mais forte e tinha mais calor humano. “Jamais terão o Verde e Branco. Nosso time nasceu com o sangue de nosso velho pai e passou por várias gerações até chegar aos dias de hoje, e aventureiro nenhum irá assumir seu comando”, bradava Camarguinho, bisneto do poderoso Dom Camargo.

A família construiu um belo estádio, em cujas arquibancadas a família do lugarejo promovia encontros maravilhosos. As festas eram constantes e a alegria do povo era uma referencia para todos da região. Tudo aquilo promovia inveja e despertava a cobiça de muitos ricaços, pobres de espírito e fracos em criatividade. “Ninguém teve a audácia de meu bisavô, que trouxe para a fazenda os melhores jogadores do estado e seus descendentes ficaram por aqui e, alem de continuarem no futebol, fincaram raízes no lugar."

A família Jordão, poderosa em toda a região, também almejava conquistar a glória de ter o melhor time e o mais simpático estádio de futebol. Os seus membros mais antigos sempre falaram com certo rancor de Dom Camargo. Os Jordão chegaram a comprar terras por perto da propriedade dos Camargo e, por incrível que possa parecer, assediavam suas filhas para que contraíssem matrimonio com seus descendentes.

O lugarejo cresceu, virou vila e posteriormente virou uma cidade. Os Camargo não quiseram liderança política e mantiveram seus investimentos no time de futebol, que como a vila cresceu e se tornou potencia estadual. Sabe o que aconteceu oitenta anos depois?

A fazenda se transformou em uma bela cidade e seu povo, que não sabia cuidar do patrimônio, foi obrigado a entregar o comando para um forasteiro, que era nada mais nada menos do que um dos descendentes do velho Jordão. O rapaz, rico e inteligente, não só ficou com o estádio, sonho do bisavô, s elegeu prefeito e tem em suas mãos toda a terra que seus antepassados tentaram colocar a mão, mas esbarraram na luta dos valentes escravos e amigos do benfeitor Dom Camargo.

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