A PRIMEIRA E ÚNICA PINGA DE UM ADOLESCENTE

Chove copiosamente na Planície Goitacá e a falta de assunto, constante nesta época de final de ano, o natal passou e estamos a espera de um novo ano, que para muitos é o começo de uma nova vida e para este calejado escriba é o recomeço de tudo aquilo que já vi nestas quatro décadas de vivência esportiva.
Com o temporal que cai, lá fora, a lembrança volta para um campo de futebol enlameado, encharcado, onde a bola sequer tinha forças para rolar dignamente pelo relvado. Este cenário me leva até os meus dezesseis anos, acredito que seja mesmo por aí, no tempo em que Tupan, Esportivo e Miracema FC dividiam as honras de favoritos aos títulos dos campeonatos municipais.
O Estádio Municipal estava vazio, quem iria enfrentar aquela tormenta para ver um joguinho desinteressante, Esportivo x Paraíso, que nada valia, a não ser a própria partida, o Tupan já havia "papado" o título e o torcedor não quis sair de casa para ver este joguinho de final de ano. O primeiro tempo foi todo favorável ao nosso Esportivo, Genuíno só não fazia voltar o sol, porque fazer chover ele já havia feito há algum tempo, mas o Paraíso, de Totonho, Chiquinho, Cléber e Clênio, não se entregava e esquentava a temperatura do jogo criando obstáculos para o time do Jaci Moreira.
Primeiro tempo encerrado, apesar das dificuldades, o Esportivo vencia por 2x0 e parecia ter o domínio absoluto do jogo. Liderados pelo goleiro, o excelente Mário Zulu, a garotada se escondeu em um canto do vestiário e tomou "todas", todas as doses possíveis de uma pinga das boas, chamada Maravilhosa, vinda lá do Paraíso do Tobias, da fazenda do Homero Costa, homem que fabricava, segundo os entendidos, a melhor cachaça da região.
Todos nós enchemos a cara para poder afastar o frio, esquentar o corpo suado e cansado de carregar camisas e calções molhados, chuteiras e meias encharcadas e embarreadas, naquele tempo não existia um material da qualidade que temos hoje, por isto, era necessário um preparo físico muito maior para carregar aquele peso extra. A pinga era da boa, com o corpo quente ninguém sentiu o baque que poderia provocar naqueles garotos.
Segundo tempo começando e eu, logo eu, fui o primeiro a demonstrar o terrível efeito do álcool, cai pelo gramado vomitando, quase colocando o bucho para fora. Logo em seguida foi o Gilson, filho do presidente, que também se sentiu embriagado e teve que sair. Como naquele tempo só duas substituições poderiam ser feitas, após a saída do Vilmar e do Júlio, nosso time terminou a partida com nove e, é claro, o Paraíso virou e venceu por 4x2.
O seu Gérson Coimbra, nosso presidente, a partir daquele dia proibiu o Zulu de levar a garrafinha de pinga para o seu gol, o nosso goleiro tinha por hábito tomar algumas durante o jogo, se não tomasse duas ou três doses da maldita, era frango na certa. A proibição foi devido a nossa irresponsabilidade, mas só durou dois jogos, no clássico contra o Miracema o Zulu já havia tomado dois frangos antes do intervalo, e o seu Gérson gritou para o Jaci Moreira. "Jaci, tá liberado o remédio do Zulu". O Fota, pai do Orlando Fumaça, levou a garrafinha de guaraná com o líquido precioso e viramos o jogo graças as maravilhosas: a cachaça e a atuação de Mário Zulu.
Deste dia em diante jamais tomei uma pinga, foram as primeiras e únicas quatro doses de cachaça que tomei na minha vida: medo de um novo vexame, lembranças das dores no estômago e a vergonha de ter sido substituído, bêbado, levaram-me a tomar esta atitude.

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