NO QUINTAL DE SOLON

Ermenegildo Solon, homem calmo, íntegro e que vê em todos uma integridade capaz de superar a si próprio. Tranqüilo, mantém-se sempre distante dos buxixos da esquina ou das reuniões políticas em mesas de bar. O seu lar é o seu quintal, onde vê suas plantações e cuida de seus passarinhos. Sua paixão são os causos da meninice e da juventude vivida à beira do Santo Antonio, que naquele tempo produzia peixes e remansos gostosos para um mergulho. Solon, ao contrário do que pensam dele, não é um alienado, é um homem feliz.

Solon aprendeu que o lema maior dos tempos de hoje é ser feliz. Foi duro aprender isso, pois ele fora criado naquela mentalidade antiga segundo a qual a sua própria vontade ou realização não é o mais importante, não é o centro do mundo. Em criança aprendera que é preciso fazer renúncias, que há valores superiores. Mas com o tempo conseguiu assimilar o valor supremo da vida moderna, que é a própria satisfação e realização.

Amadureceu, viu que as coisas e as certezas que rodeavam seu velho mundo não eram naturais. Viu que tudo era uma construção, e como tal poderia ser diferente. Sua família, sua profissão, a sociedade em que vivia, o valor atribuído a cada tipo de trabalho. Tudo isso era socialmente construído e passível de reconstrução em outros termos. Viu que aquela sociedade com lugares previamente marcados (uns nascidos para obedecer, outros para mandar) não era propriamente necessária. Poderia ser diferente. Quando percebeu isto, deu-se um salto em sua consciência de si e do mundo.

Por uns poucos tempos, achou que o outro mundo, a outra sociedade, os outros valores, eles sim eram mais lógicos e naturais. Mas logo se deu conta de que também eles eram socialmente construídos. Julgou então que seu novo mundo não poderia ser essencialmente melhor nem pior do que seu mundo antigo, pois nenhum dos dois tinha caráter de essência; ambos eram construções. Ali se deu o segundo salto, e foi quando ele resolveu se recolher, se desligar do noticiário, se abster de comungar plenamente com aquele mundo novo que por um momento lhe parecera mais lógico e natural.

Hoje Solon não se preocupa em emitir juízos de valor sobre o velho nem sobre o novo mundo. Não está aí para discutir o que é avanço e o que é retrocesso. Não se surpreende com nenhum cidadão respeitável imerso por malas de dinheiro. Olha apenas a direção do vento e vigia a hora de recolher os passarinhos.

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