FESTA DO PEDAL

Seis de agosto é um dia especial para o campista, principalmente os mais tradicionais e amantes do ciclismo. Hoje, por ser domingo, é mais especial ainda. Seis de agosto é dia de sair de casa cedo, colocar uma roupa esporte e ir para a Pracinha do Canhão ver a largada da mais tradicional prova ciclística do país, a Prova Ciclística do Santíssimo Salvador, criada e comandada por décadas por este fabuloso Gerardo Maria Ferraiolli, o Patesko, mentor único desta conceituada competição.
Hoje é dia de lembrar de José Nunes da Fonseca e suas histórias sobre a prova e seus comentários sempre bem humorados no palanque da Campos Difusora. Dia de ficar perto de Pessanha Filho, o monstro sagrado do radialismo campista, para escutar os causos de pedalistas e chefes de equipes que por aqui passaram durante as mais de sessenta provas (este ano é a 62º) e, acredito eu, que Pessanha tenha participado de quase quarenta destas como repórter especial da cinqüentenária Campos Difusora.
Não tenho muitas histórias para contar sobre esta prova, participei muito pouco das transmissões pelo rádio e, quando o fiz foi de forma tão pouco participativa que não trago no chip de memória algo que possa ser relembrado. Porém, tem sempre um porém em qualquer comentário sobre o esporte, meu velho amigo Motta, campista de quatro costados, tem a história do Soninho, um sujeito considerado pé frio e que estava sempre com cara de sono, daí o apelido, e um apaixonado pelo ciclismo.
“Motta, hoje vai dar fulano.” Pode apostar que se este fosse o favorito cairia quando o Patesko levantasse a bandeira quadriculada, se já não tivesse ficado pelo meio do caminho. Certo dia, lá se vão alguns anos, chegou a cidade um pedalista de fama internacional, Sacarov, com diversas provas vencidas na Rússia, sua pátria, e em outros países da Europa. Saca, este foi o apelido que os campistas lhe deram, já estava ambientado na cidade e foi apresentado a Soninho, que ficou amigo íntimo.
Quando soube da fama de pé frio do novo amigo Saca, deu um jeito de espantar o cara da prova. “Vou terrr que mandarr o Soninha para Russssia no dia da corrrida”, disse Sacarov num arrastado português. Mas se a idéia era boa, a fórmula para colocar em prática não aparecia. Um amigo, Samuel, judeu de boa cepa, foi quem resolveu o problema. Levou Soninho para a Praça São Salvador, onde seria dada a largada, e com ele uma dúzia de cervejas, da marca que o agourento adorava, e falou com certo autoritarismo: “Soninho, tome conta do equipamento do Saca e não deixe ninguém chegar perto das cervejas e da vodka, que são para comemorar a vitória do nosso pedalista”. Dito isto, Samuel fechou a porta, por fora, e deixou Soninho trancado com a vodka e a cerveja. Era tudo de que precisava a equipe para uma vitória fácil.
Foi dada a largada e Sacarov aos poucos ia mostrando o talento que lhe dera o título de favorito da prova. Na décima nona volta, a penúltima da prova, Soninho já estava tão alto que não conseguia mais se conter dentro do minúsculo quarto, que ficava exatamente na direção da linha de chegada. Samuel, certo de que havia feito um ótimo trabalho, levantou a placa e avisou para o pupilo que faltava apenas meia volta e que sua diferença para o segundo colocado era enorme. Saca percebeu e, dando uma olhada prá trás, viu que poderia economizar forças para atravessar a linha de chegada com tranqüilidade.
Ali na concentração, a turma que conhecia bem a amizade do famoso pé frio com o novo ídolo do ciclismo, estava preocupada. “Onde anda Soninho?” Era a pergunta que não queria calar. Samuel, triunfante, dizia que tinha feito um belo trabalho e o derrubador de campeões não iria acordar tão cedo. “Ele deve ter tomado uma dúzia de cervejas e derrubado três garrafas de vodka russa. Não acorda hoje”.
“Samuel, quem é aquele camarada com a camisa da sua equipe todo enrolado em sacos de sisal e acenando pra cá?” Preocupado com seu atleta, que já se aproximava dos últimos cinqüenta metros, Samuel não teve tempo para responder, fez apenas um sinal para Sacarov aumentar a velocidade e, quando iria dizer que Soninho tinha se libertado do quarto, o russo deu um sorriso de medo e em seguida caiu estatelado, duro e enfartado no asfalto quente da Avenida Alberto Torres.
Foi aí que Samuel percebeu e só teve tempo de dizer: “O Soninho derrubou mais um”. Desde então, ninguém mais tem notícias do bravo Soninho, pois, escurraçado pelos torcedores, jamais foi visto novamente na cidade.

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