AO SOM DE CARTOLA, ELIS E OUTRAS FERAS

Quatro horas da tarde. Lá fora o sol forte, aqui dentro o ar refrigerado ligado no limite e na vitrola o disco de João Gilberto, em volume médio, toca para motivar este velho escriba a falar sobre música e artistas. Ligo para meu amigo Motta, que está na internet –sua nova companheira- e me recuso, no momento, a entrar na grande rede. O telefone toca. Penso em não atender. Marina chama: É prá você. É o Solon. Bingo. Era o que precisava para traduzir certas canções de Cartola. Pensava até em ligar para o Nascimento, lá em Miracema, mas Solon chegou na hora.

- Fala aí, amigo velho. – Amigo velho, não. Velho amigo. Fica mais poético e mais saudável. – O que manda? – Acho que preciso de alguém para conversar, estou só e os dedos estão cansados demais para dedilhar nas teclas do computador. – Até que gostei de sua ligação. Tava pensando em fazer umas colocações sobre a música de Cartola e só mesmo quem viveu estes momentos pode dividir comigo a leitura da obra do grande mestre da MPB. – Diga o que quer.

Pensei muito, na vitrola – que vitrola nada, no CD já tocava Os Cariocas, com o Samba do Avião, e tive que aumentar o som. – O que é que é isto, Dutra? Bradou Solon. – É música das boas, meu caro amigo. – Tá bom, mas abaixa que está atrapalhando. Vamos ao que interessa. – Certo, meu amigo, mas explicar Cartola é duro, não achas? Por exemplo. O que ele queria dizer quando escreveu que o Mundo é Um Moinho? – Fácil. Tentou explicar para sua filha, que acreditara estar na hora de sair de casa, que o mundo não era bem o que julgava ser. “Presta atenção, querida. De cada amor herdarás só o cinismo, quando notares que está à beira de um abismo, abismo que cavastes com teus pés”.

Entendeu o recado? Acho que sim. – Então veja só, por que as rosas não falam se ele sempre se queixa a elas? Sabe não? Simplesmente porque elas exalam o perfume que roubam das suas musas inspiradoras, as cabrochas e as belas mulatas da Mangueira. – Neste caso Dona Zica é que deveria estar com seus olhos tristonhos e quem sabe, chorava em seus sonhos.

É, meu caro Solon, você está inspirado. Sabia que poderia confiar no amigo para dissipar velhas dúvidas. Agora, no meu som, o bom Emílio Santiago está mandando ver com “Insensatez”. E eu aqui, escrevendo e ouvindo você no outro ouvido. É dura a vida de aposentado, um dia nada para fazer, no outro não ter nada o que fazer e quando chega sexta-feira, dia de boteco para alguns mortais, estamos aqui ouvindo música, escrevendo crônicas e procurando alguém no celular para uma prosa.

Solon, pensei em escrever algo para o Festival de Miracema. Você sabe que teremos novamente o Fecami? Sabe, né? Pensei assim: Sonhava desde menino, tinha um desejo feliz de contar toda minha história. Esse sonho realizei, um dia lhe contarei. Contarei todas as glórias, perdoa-me a comparação, Bem, deixa prá lá. O Cartola já tinha escrito isso e seria plágio dos bravos.

- Por que você não fala de amor. Daqueles amores do passado, meu caro Dutra. – Solon, você acha que eu teria tino para isso? Esquece nosso amor, vê se esquece. Porque tudo no mundo acontece. – Ficou legal? – Mas também é do Cartola, plagiador barato. – Então tá. Vou ouvindo Miltinho, com o outro ouvido e os conselhos que me passa por este outro. Manda lá. O que é que vou escrever?

- É melhor a gente parar por aí, Solon. Estou ouvindo Billy Blanco cantando “Samba Triste” e ele, em um dos versos diz: Sei que o amor existe e por isto o samba é triste. – Tá certo, meu amigo. Vou-me embora e deixo contigo um trecho que cantei por algum tempo, desde que fiquei sozinho no mundo. “Não quero mais amar a ninguém. Não fui feliz o destino não quis. O meu primeiro amor morreu como a flor, ainda em botão. Deixando espinhos que dilaceram o coração”.

É, Cartola, realmente, é o máximo dos máximos. Deixa eu aqui, agora ouvindo Elis & Jair, um “recuerdo” dos anos 60, aqueles anos dourados, prateados, de chumbo ou de qualquer outro adjetivo, mas os melhores anos de nossas vidas. Um abraço, amigo velho, velho amigo e fiel companheiro de todos os momentos.

Um forte abraço, meu velho amigo. “Guerreei na juventude, fiz por você o que pude, continuam, nossas lutas e hoje podam-se os galhos e colhem-se as frutas”. Um verso do mestre Cartola para que a gente se vá em paz em busca da cerveja nossa de cada dia.

Comentários

TADEU MIRACEMA disse…
Como não poderia deixar de ser, meu caro Adilson, estão excelentes, agradável de se ler. Tenho certeza que vc conseguirá muito em breve nos brindar com um livro. Parabéns!!!!!

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