A PRAÇA

A Praça até que recebeu uma bela roupagem, tem uns trecos esquisitos por ali, alguns dizem ser arte moderna. Tem gente passeando de mãos dadas, parecem dois recém-enamorados Tem um carrinho de bebê surgindo do nada e com ele as lembranças me chegam repentinamente. Começo a fitar aquele pedaço de terra com mais firmeza, o tempo parece estar voltando, com um movimento brusco e inesperado. Naquela exata fração de segundo, em que o tempo voltava, me vi com o joelho ralado e com o olho roxo, resultado de um salto errado e um choque com aquela arvorezinha, que ficava bem atrás do nosso coreto.

Abri os olhos e não me vi no presente. Naquele pedaço de terra havia gritos. “Eu só jogo se for na linha. A bola é minha e ponto final”. Era o filho do político impondo sua posição no racha. “Entra aqui, Solon. Sua vaga tá garantida”. Era meu amigo Nenê, fazendo uma gritaria louca para escalar todos os seus amigos. O garoto, o filho do político, mal sabia, mas o que todos queriam era tirar uma lasquinha da bola nova, coisa rara naquele pedaço de terra. “Venha, Solon. Venha tirar o selinho desta bola de couro, novinha em folha”. E lá fui eu, mesmo com o joelho ralado e com um olho roxo devido a um salto errado e um choque com aquela arvorezinha, que ficava bem atrás do nosso coreto.

Pronto. Os times estavam escalados e definidos. “Vamos jogar com três na linha e com o Canela no gol. Decidia o Nenê. Canela era ruim de bola e por isto só servia para jogar no gol. Era filho do professor de matemática, bom também em prosa e verso. No time adversário, comandado pelo Jomba, os quatro estavam em campo, mas o filho do político era “café com leite” –gíria usada para definir jogador ruim de bola-, e por isto o Nenê achou que estava tudo igual. Eu entrei na linha e fui chutar justamente contra o gol que ficava bem pertinho daquela arvorezinha, que ficava bem atrás do nosso coreto.

Amigos, como era maltratada aquela nova bola do filho do político. Ninguém ali era um Didi, um Mengálvio ou até mesmo um Zito ou Dequinha. Só havia Leônidas da Selva, Foguete, Lua e outros centro-avantes menos votados. A bola vinha com inscrições oficiais, tipo “Autorizada pela CBD”. “Oficial da Copa Bernardo O’Higens”, e coisa e tal. Como apanhava a bichinha. Os chutes, sempre com defeitos, caiam bem pertinho daquela arvorezinha, que ficava bem pertinho do nosso coreto.

Estavam ali os representantes do anti-futebol, mas tinha certeza de que ali correndo para cima e para baixo, na maior farra do mundo, disputada, maltratada até, pois, de quando em quando, acertam-lhe um bico, ela sai zarolha, vendo estrelas, coitadinha, a bola estava feliz, pois todos nós éramos felizes, mesmo que de vez em quando ela caísse naquela árvorezinha, que ficava bem pertinho do nosso coreto.

Racha é coisa de criança, coisa de adulto que gosta de bola, mesmo que não tenha a mínima intimidade e a chame de senhora. Tem bicanca, tem trivela –sem querer, é claro- tem até bicicleta, como aquela do Marquinho, que colocou ponto final na nossa pelada. Uma pintura. E foi justamente no gol que dá para aquela árvorezinha, que ficava bem pertinho do nosso coreto.

De repente todos param. Chega um cidadão com um punhado de livros, sem pedir licença vai tomando a bola e dando ordens, principalmente ao filho do político, o dono da bola, para que se recolhesse e iniciasse a chamada nominal da turma. O campo ficou vazio e um misto de tristeza e preocupação tomava conta de todos os “craques”. O que será de nós agora? Perguntou o Canela, o filho do professor. Como é que vamos entrar naquele coreto?
Nós ficamos debaixo daquela arvorezinha, enxugamos nosso suor e pronto. Simples, meu caro. Nós estamos sonhando e em sonhos as roupas ficam brancas como a neve. E com um estalar de dedos estávamos todos nós sentados no nosso coreto tocando um dobrado ensinado pelo nosso professor Garcia, na maviosa Sete de Setembro.

Viu só o porquê de tanta insistência com o nosso coreto? Eu não sei quem foi o político que teve a infeliz idéia de acabar com o nosso coreto e colocar ali, naquela pracinha maravilhosa, um pouco de arte moderna. Seria para a gente sentir falta e sonhar? Em cada sopro de instrumento e em cada gomo de bola perdida naquela pracinha havia sempre um coração de criança batendo mais forte.



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Comentários

AngelMira disse…
Grande Adilson,
Dá vontade de puxar a cadeira e sentar, para continuar a ouvir os causos de Botequim.

Parabéns pela iniciativa, que agora de coracebo novo deve estar de vento em popa...

Abçs

Angeline

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