O dia em que Solon voltou a terrinha

Há alguns dias criaram um grupo no Facebook, bem bacana por sinal, por onde a turma de miracemenses saudosos, ausentes e presentes, mata a saudade da "Terrinha" e relembra fatos, pessoas, lugares e tudo aquilo que lhe faz lembrar da cidade natal ou, para os que adotaram a cidade, de sua terra escolhida. 

Ao ver o pessoal falar dos nossos personagens, de lugares que lhe deram prazer e que até hoje estão na memória, me lembro quando fui escolhido pelo velho jornalista Ermê Solon para ser o seu cicerone em seu retorno a Miracema após quarenta anos sem ver a "Terrinha". 

O peguei na Rodoviária, que segundo ele,  fizeram bem em recuperar a Estação Ferroviária,  aquela que deixou para trás quando foi embora, ele me perguntou: 

- A Fábrica de Tecidos não funciona mais? E o Charden, onde está o Armazém do libanês? 
O meu silêncio já respondeu e ali adivinhei que ficaria mudo durante todo o trajeto, Rodoviária x Hotel Varandas, porque as perguntas seriam muitas e as lembranças agradáveis poderiam se transformar em lágrimas. 

Ele, veterano jornalista, com bagagem internacional, percebeu minha angústia e não mais perguntou e sim afirmou. - Aqui ficava o Hotel Assis, meus amigos, quando vinham a Miracema, ficavam aqui.  E seguiu olhando a Padaria do Olegário dizendo que não era do seu tempo, mas o dono, quando ficou sabendo falou, lhe trazia lembranças de quando tinha o estabelecimento lá nas proximidades do Marcelino. 

- O Olegário tinha uma padaria em frente ao comércio do Custório Cruz, estou certo? Respondi que sim e seguimos em frente passando, segundo ele, em frente aos Correios. - Onde está o prédio dos correios hoje? Era bem aqui, hoje está a loja da família Chiapin. 

Expliquei que não acabou, afinal algo ainda existia para eu não magoar meu velho ídolo do jornalismo. E seguimos em frente e ele, sempre com a memória em dia, queria saber do Toninho Richard e Dona Beleza.  Aqui, Dutra, tinha o melhor sanduíche da cidade, a carne de porco, assada, da esposa do Toninho era fantástica. 

E o primeiro sobressalto do velho miracemense, o coração do homem batia muito forte quando adentrou na reta da Rua Direita. - O que fizeram com o Hotel Braga? Meu Deus, que covardia! E o pior estava por vir. 

- Menino, não tem mais o Bar Pracinha? E eu, polidamente respondi, nem o Bar Central, nem o Bar Leader, nem o Bar Mocambo.

 - Não tem mais bife do Angeludo? O do Farid eu sabia que o velho morreu, mas acabar o Bar Pracinha? Isto aqui era ponto de referência, me  lembro o dia em que chegei a Lisboa, pela primeira vez, diz Ermê Solon quase chorando, olhei para o bar onde tomamos um vinho e disse para meus companheiros, que foram cobrir Benfica  x Santos, pelo Mundial de Clubes de 1962, este bar é filial do Bar Pracinha, lá da minha Terrinha. Saudade de Miracema, disse eu na oportunidade e a turma riu sem saber que era realmente uma verdade. 

E lá fomos nós andando, quase calados, na velha e querida Rua Direita. Os olhos do mestre brilhavam e as perguntas eram necessárias para reviver o seu passado na cidade. - Ainda existem as Bandas de Músicas? Sim, a Sete está viva, graças a Deus mas a Quinze fechou as portas há um tempão. - Melhor assim, né mesmo menino? 

E lá fomos nós andando, passando em frente ao Rei dos Barateiros e o sorriso se abriu novamente. - Oba! Felizmente um excelente comércio da região ainda está vivo. E eu disse que a Casa Nova também existia no mesmo lugar. - Virou uma grande rede, né mesmo? Em breve nem isto teremos mais, os donos não são mais os mesmos e breve teremos notícias desagradáveis, completou Solon.

O velho amigo gostou da Kiskina, adorou o pastel, que mereceu elogios ao ser comparado com o do Vovô Vicente, gostou de ver o Jardim  em bom estado, mas ficou furioso quando soube que a Fonte Luminosa não funcionava. - Vi a inauguração deste monumento da cidade e me lembro que foi um dos últimos atos que vivi na minha terra, uma pena, vamos pedir ao prefeito para que faça uma reforma? 

E não é que ele foi até a prefeitura, no dia seguinte, falar com o prefeito?  E fomos andando, uma parada para falar com o Jofre Salim, meu Deus, quanta alegria no reencontro dos grandes miracemenses, uma reverência ao Michel Salim, seu grande amigo, um olhar profundo no Edifício construído pelo Capital Altivo Linhares, segundo Solon a obra mais importante do seu tempo na cidade, e uma pausa para olhar mais atento para o Jardim e para o entorno do mesmo.

- Aqui, menino, vivi meus grandes dias, as peladas do Rink, as brincadeiras de pião, finco e bolinha de gude reuniam dezenas de garotos e o Cabo Atleta ficava de olho para que não subíssemos em árvores ou jogássemos pedras nas frutas. 

Solon sentou, foram quase duas horas de caminhada entre a Rodoviária e o Jardim, e chorou como uma criança desmamada, lágrimas de saudades, lágrimas de tristeza por ver tudo aquilo que deixou para trás destruído ou trocado pela modernidade. 

E é assim que vejo o nosso grupo "Em Miracema ou no cinema" na rede mundial da Internet, e espero que este encontro, na Exposição, seja realmente fantástico e que possamos encontrar um grande grupo de amigos, que como Ermê Solon, chore, ria e abracem a todos os antigos amigos da minha querida Terrinha chamada Miracema. 

Comentários

Betinho Cagiano disse…
Parabéns Adilson!!Maravilhoso texto!!!irretocavel!!

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