Micão: O Rei do futebol de botão

Quem não sonhou, pelo menos em uma madrugada mal dormida, em se tornar um craque de futebol? 

Eu, que um dia tive a oportunidade de mostrar um pouco de talento, ainda sonho com a fama e o prestígio de um craque da bola, não só da bola número cinco, do futebol, mas de vez em quando me vejo com dois metros de altura, uma envergadura de fazer inveja a Magic Johnson e com uma bola laranja (de basquete) nas mãos. 

É o sonho de quem quer fama. Você nunca sonhou assim? Nem com uma bola branquinha de vôlei?

Algumas crianças sonham mesmo é serem craques das peladas de rua, encantar as garotas vizinhas e serem observados por olheiros de algum time grande, que possa passar por ali naquele momento em que está marcando um  golaço ou fazendo uma assistência espetacular. Todos sonham. Sonhar não é proibido e, por enquanto, ainda não pagamos por ele.

Meu amigo Micão, desprovido de habilidade com qualquer bola, não sonhava nem com futebol, nem com basquete ou voleibol, de vez em quando ele dava umas raquetadas no ping-pong, mas quebrava todas as raquetes que seu pai, o marceneiro Mané Badeco, fazia com tanto carinho. 

Micão, pode confirmar com ele, não estou mentindo, tinha uma salvação e ali ele seria um rei e se sobressairia a ponto de se impor como o melhor da cidade. A salvação do perna-de-pau era o futebol de botão.

Falo deste esporte, é esporte sim senhor, perguntem ao Fernando Antonio, apaixonado e velho colecionador de “craques”, com muita tristeza e as facilidades eletrônicas exercem mais fascínio às crianças do que ralar os joelhos nas varandas ou encostar a barriga em uma mesa improvisada de futebol de botão. 

Até o nosso incrível Totó, de tantas emoções nos salões dos bares e dos clubes, foi para a telinha do computador. Não sei se isto é legal ou ilegal, deixo para as autoridades médicas julgarem o fato, mas que nos dá uma nostalgia eu tenho certeza.

O que sei mesmo, com certeza, é que o nosso jogo de botão era acessível a todos, aos do centro e aos dos bairros,  a ricos e pobres. Portanto, mais abrangente,  bem mais barato e também mais criativo. Exigindo outras habilidades e informações que nos acompanham até hoje. Verdadeira lição ao ar livre. 

Tudo era feito por temporada. Obedecíamos a um calendário que se regia naturalmente, mas sempre coincidindo com as férias escolares: do meio de ano e de final de ano. Havia o tempo dos papagaios, dos piões e, principalmente, dos botões de coquinho. O nosso futebol de botão se diferenciava exatamente aí. No restante do país se jogava com botões de baquelite.

Organizavam-se torneios inter-ruas, interbairros ou interturmas. As meninas cuidavam das torcidas organizadas, os mais velhos ficavam com a tarefa de arranjar os troféus, organizar o calendário. E os campeonatos, às vezes, se estendiam por todas as férias. Ao escrever essas linhas me chegam todos os sons. Os sons que faziam a nossa alegria, os sons das comemorações de verdadeiros gols de placa: "É canja, é canja de galinha, não há nenhuma equipe, que aguente a nossa linha.

Micão era um craque, mas não gostava do que fazia, ele queria mesmo era jogar futebol com os amigos e mostrar que tinha o talento do irmão, Betinho, um craque que tinha a mesma facilidade jogar que o irmão, só que com os pés. 

Um dia, em uma conversa reservada com o amigo, ele me pediu para fazer uma crônica sobre ele. “Você fala de todo mundo e não me dá uma guarida em sua coluna. Fale do meu talento para o futebol”. Eu, educadamente, não respondi e só perguntei: Que talento? “O de não fazer gols. Eu passei a vida inteira correndo atrás da bola e jamais, eu disse jamais, fiz um golzinho. 

Coloque a manchete: Micão jamais fez gol e sonha com isto há mais de cinquenta anos”. Taí, amigo velho. Seu pedido foi aceito e esta crônica é dedicada a você e a um punhado de cabeças de bagres espalhados por este país afora e que não sabem sequer jogar futebol de botão com a sua magia e o seu talento.

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