A história de Ermê Sollon

Os amigos me param na rua para um dedo de prosa e, geralmente, querem saber mais sobre Emernegildo Sollon, meu guru de longa data, e de suas histórias. No final de janeiro, ainda em Guarapari, o velho jornalista abriu o coração e me contou detalhes que só quem o conheceu ainda garoto, na pequena e pacata cidade de Miracema, no Noroeste do Estado do Rio, pode identificar. 


 - Fui um menino comum, andei pela cidade a procura do que fazer para ajudar a família. Enquanto os amigos, filhos de médicos, advogados, bancários ou fazendeiros andavam pelas ruas com suas bicicletas ou jogando pelada no jardim ou no Rink, eu trabalhava duro para ter meu divertimento predileto, os seriados dos Cines XV e 7 nos domingos. 


 A medida que Sollon contava sua história de vida os olhos dele brilhavam intensamente e, para minha surpresa, o velho amigo pediu uma cerveja e me fez companhia com pelo menos dois copos, que segundo ele era para abrir a mente. - Minha trajetória nas letrinhas foi difícil, jamais pensei em ser jornalista ou coisa parecida. 


Tudo aconteceu no acaso. Certa vez, trabalhando nos corredores do hotel que me empregava, encontrei um grupo de paulistas, todos bem vestidos e falantes, que vieram ao Rio para cobrir um jogo Brasil e Argentina, isto lá pelas bandas de 1957, e um garoto chamava a atenção de todos, Pelé, um neguinho do Santos bem admirado pelos jornalistas e torcedores de São Paulo. 


 Uma pausa para conversas em off, onde Sollon falou das suas estripulias com os jornalistas bandeirantes e sobre a noitada, na Lapa, onde conheceu a sua saudosa esposa, e, por pura saudade quase que a conversa parou por ali, se não fosse Dona Bilu puxar o papo para o seu Botafogo, falar de Nilton Santos, Didi e Quarentinha, a conversa não fluiria. Passada a emoção Sollon continuou a prosa e foi se soltando. 


- Ali, naquele momento, nasceu a paixão pelo jornalismo e como não era preciso diploma ou uma formação específica, fui me intrometendo no meio e em dois anos já estava na Rádio Vera Cruz, uma nanica carioca, fazendo meus comentários sobre futebol e política e ganhando fama de turrão e contestador. 


 Em 1960, continua ele, resolvei escrever umas crônicas, olha que não sabia sequer datilografia, eu tinha dificuldades para escrever à máquina e pedia para um amigo copiar o que eu ditava para ele, minha letra era horrível e o moço não conseguia decifrar as palavras que pretendia colocar no papel.  


Interrompi para saber quem era o amigo e, para minha surpresa, o jovem citado trabalhou comigo por aqui e foi, logo depois, chefe de redação do Jornal dos Sports, para onde Sollon foi na metade dos anos 60 com a responsabilidade de cobrir o Flamengo e botar, semanalmente, sua coluna nas páginas do cor de rosa. 


 - Que dificuldade, meu caro Dutra, ninguém podia saber que o Paulo escrevia para mim, claro que a ideia era minha, mas o complemento era sempre ele quem dava, aquele toque final para que a coluna fosse entendida pelos leitores, se mantivesse meu original eu estaria na rua antes mesmo da segunda edição. 


 Foi um sufoco, prossegue meu velho guru, a cada dia eu pensava comigo: E se o Paulo for embora, como é que vou escrever? E aí, que sorte, surgiu um rapaz no escritório do hotel onde eu trabalhava, isto mesmo, mantive dois empregos para poder sobreviver, com boas ideias e com um texto muito legal, mas não queria aparecer, ser contador da empresa era o seu sonho. 


 Então, meu caro Sollon, você sempre foi um protegido? - Não, em pouco tempo estudei, me preparei e em dois anos lá estava eu, todo serelepe, fazendo meus textos e batucando na minha máquina de escrever, agradeço muito ao Paulo e ao Gonçalves a preciosa ajuda, porém, plagiando você, tem sempre um porém, tem dias em que me sentia completamente perdido sem a presença de um dos amigos redatores, mas deu para levar até o final de carreira e por onde passei sempre fui respeitado.  


Prá fechar, meu caro Sollon, era normal, em seu tempo, estes autodidatas nos jornais? - Claro, não havia obrigatoriedade de diploma e sempre um mais ousado, como eu, pedia uma oportunidade e conseguia. Eu passei por muitos perrengues, mas com certeza posso dizer, poucos escreveram como eu, tendo ou não ajuda dos “universitários”.

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