Saudades de que? O que é saudade?

Eu tenho saudades dos meus tempos de guri, quando corria leve e solto pelas ruas da cidade sem preocupação alguma. Eram tempos felizes, não que hoje não traga comigo a felicidade, mas era diferente. Tenho saudades de um tornozelo torcido, de um queixo doído devido a uma pancada no chão, de um olho roxo – provocado por soco ou cotovelada no campo ginásio ou no Rink - de um pontapé do Brecó ou do Valdir. Lembro-me quando xingava prá cacete quando mordia a língua ou batia com a cabeça numa quina de mesa. Saudade doída esta, não?

Hoje tenho saudades das minhas irmãs, que moram longe de mim, tenho saudades da cachoeira do Conde, desta todos têm saudades, tenho saudades de um filho, que trabalha longe, e da filha, que casou e mudou. Saudade do gosto de uma fruta tirada do pé, roubada nos quintais do Seu Lino ou do Seu Pedrinho Soares, era mais gostosa. Do meu pai, que já se foi, de minha mãe, de meu avô e minha avó, que também acompanharam o velho Zebinho. Tenho até saudades de um amigo que nunca existiu, de uma cidade alegre, que sempre marcou minha infância e juventude, saudade do tempo em que não sentia saudade.

Dizem que a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama, mas –tirando os velhos que já se foram- quem amo está junto a mim, presente e ainda sinto o cheiro da pele, o sabor dos beijos e a presença física e perene. Tenho saudades de me esconder no quarto, do dentista, da escola e das manhãs bonitas de verão, inverno, outono ou primavera, quando subia o morro a procura de uma bola e de amigos, peladeiros como eu, para uma boa partida de futebol.

Às vezes me pego falando em saudade e me condeno. Alguns amigos me dizem que sentir saudade é a ausência de presente. Concordo. Por que a gente só sente saudades do que se perdeu? Saudade é não saber, mas ela continua sempre firme, fungando no cangote da gente, mesmo que o ambiente esteja frio. Saudade é ver a barba branca e não poder tirá-la por causa daquela alergia. Saudade é amor de verdade.

Saudade é lembrar que hoje você toma uma cerveja e não mais uma coca-cola, que não vê mais aquela guria dos olhinhos apertados e que deixava seu coração mais apertado ainda, é lembrar que hoje se dança aloucadamente e que ontem você dançava com aquela menina que te enlouquecia. É continuar cantando as mesmas melodias e continuar detestando as músicas mais rápidas, que tanto te atrapalharam nos bailes do Aero Clube.

Saudade é sentar e escrever tudo isto e lembrar que está sendo saudosista, chato, egoísta e egocêntrico. É não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos.

Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento. Não saber como frear as lágrimas diante de uma música. Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer. É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso... É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer. Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler...

Como dizia o professor Osmar Barbosa: “Saudade mata é verdade, mas desta morte me esquivo, como morrer de saudade se é de saudade que vivo”.

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